28 de maio de 2010

garoto âmbar

ela não era lá grande coisa, nem ele. mas tinham o seu valor...

a rapariga não tinha grandes percepções ou visões do mundo, mas de certa forma, costumava vez e outra perceber algumas nuanças não tão evidentes para a maioria das outras pessoas.
por esse motivo mesmo, por se achar comum demais e por temer permanecer na ignorância dos preguiçosos, ela metia-se a ler coisas que muitas vezes não compreendia.

algumas vezes era preciso que ela relesse o texto vezes a perder das contas para que pudesse compreender alguma coisa e prosseguisse com uma mensagem, mesmo que sem profundidade, mas de alguma forma contextualizadora.

nesse vai e vem das leituras, em meio aos morosos textos que ela tanto admirava, algumas palavras ficavam para trás. palavras essas com significados perdidos no limbo dos poetas e pensadores, que ali refutavam e escreviam suas teorias auto-biográficas da forma mais densa e inacessível que podiam. assim pensava ela: "fazem isso só para tornar quase impossível a compreensão", e completava "por isso que são chamados de gênios! quem há de questioná-los se não os entendem!?!".

assim permaneceu durante longos períodos de leitura. lia, relia, parava, pensava, escrevia, lia mais uma vez, rasurava as escrituras, garranchava mais alguns comentários e por final chegava a alguma conclusão débil e não muito elaborada. assim era a sua frustrada rotina pseudo literária, auto-estimulada por ímpetos invisíveis que se manifestavam em pensamentos delicados e, aparentemente, sem nenhum raciocínio coerente.

mas a rapariga não era só fortuita em suas leituras, mas também em seu cotidiano intencionalmente formulado. ela colocava-se em situações em que dependia da reação dos outros só para ver como agia. nada mais do que um provisionamento do improviso. assim como quando ela atirava-se no meio de conversas desconhecidas, de pessoas jamais vistas e sem nenhuma afinidade, aparentemente, e testava a si mesmo. "como reagirei? o que vou falar? o que vai acontecer?", assim ela se questionava nessas propositais situações inusitadas.

certa vez decidiu-se jogar-se em mais um desses testes de sociabilidade e percepção, isso tudo de maneira fortuita e quase leviana. foi então que conheceu um rapaz, intitulado por ela inconscientemente como "rutilo", que mais tarde evoluiu em seu pensamento para "âmbar". ela não sabia, mas havia associado o pequeno rapaz à pedra rutilada devido a sua grande e enroscada barba, que nas pontas apresentava um aspecto dourado, quase alaranjado, e na auréola de imagem, uma cor de vibração suave e uniforme, algo como um caramelo, translúcido, que viria a concluir posteriormente como âmbar.

mas em um primeiro momento, ao menos no início, ela não tentou fazer associações de cores com a personalidade. conceitos matizados sobre as matizes que aspirara nos tantos livros sobre cores que havia lido há algum tempo. muito menos ela utilizou sua sabedoria de fortuita observadora , apenas lançou-se de cabeça na viagem sem preocupar-se com o que aconteceria ou com o que iria vivenciar com aquilo tudo. ela apenas pensava em ver sua reação de fronte a situações cotidianas, fazendo de forma tão profunda quanto impensada em esquecer-se de tudo e bloquear suas vivências, só para poder experimentar mais uma vez a sensação do não saber o que fazer e falar e estar.

apesar de seu aparente esquecimento, ela podia lembrar-se da cor do rapaz assim como visualizada ao vivo, e então, aos poucos ela pode compreendê-lo melhor, o porque ele realmente emanava âmbar e não ocre ou escarlate. ele era da mais pura e verdadeira linha de pessoas que estão ligadas aos estudos das profundezas humanas e dos questionamentos herméticos, assim como os poetas e filósofos que submergiam nos seus limbos internos. começou a pensar na grande maioria de pessoas que ela conhecera com características parecidas ao garoto-âmbar, e verificou que todas as pessoas emanavam tons semelhantes ao dele de suas auras.

nesse momento a moça já não sentia-se mais tão igual a todo mundo, mas sabia que também não era grande coisa. Foi então que ela começou a perceber que, ao ler os seus livros em busca de um conhecimento dito elaboradíssimo, ela já não precisava mais repetir por diversas vezes a ida e vinda do correr pelas mesmas palavras a fim de decifrá-las. havia a partir de não sei quando, uma voz em sua mente que aos poucos lhe indicavam os caminhos das corredeiras dos pensamentos disfarçados em rebuscadas palavras.

a cada vez que a voz lhe vinha para explicar um ou outro parágrafo, ela enxergava também algum objeto de cor amarelada, mas entretida em seus decifrares, não notava sua presença. até que um dia em seus passeios ocasionais de leitura, ao compreender o raciocínio, a priori dificílimo, pela orientação da voz, ela elevou sua cabeça para poder relaxar da leitura e deleitar-se com aquela sensação, foi quando avistou uma criança que sentara-se seu lado com uma capa de chuva amarela. antes mesmo de conseguir exprimir para si mesma uma  conclusão qualquer do que havia compreendido, a criança lhe dirigiu a palavra e lhe questionou: "você gosta de vir aqui em dias de chuva?", e em mais um de seus lançamentos de si mesma, temendo limitar a imaginação, ela respondeu: "aqui a onde?", e a criança que parecia ainda não ter sexo respondeu: "no limbo das árvores". achando demasiada coincidência, calou-se perante a esplêndida visão da criança e concluiu seu último pensamento...

"quando não compreendo ele vêm a mente com sua voz de educador e doutrina o meu pensar. faz com que as idéias aparentemente desconexas entrelacem-se como as ramas das árvores, que a cada junção irrigam e alimentam as teias do aflorar. assim, sua luz dourada ilumina de forma quase ofuscante as caraminholas da minha caixota e fazem com que a escuridão do limbo, onde residem o tal dos poetas e filósofos, se alumine e floresça a glória".


 
.preso a um fio condutor verdadeiro, uma percepção cotidiana e um pouco de ficção.
 
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