17 de janeiro de 2011

Na cidade grande...





borboleta de cidade grande é um papel que voa.





14 de janeiro de 2011

A Lenda do Peixe Bororo

Conta a história que um pequenino vilarejo de pescadores sofreu durante alguns séculos a maior escassez de peixes de todos os tempos. Durante aquele período não se via nadar nenhum ser no mar, pois todos os animais haviam sumido misteriosamente. De todas as espécies apenas uma restou.

Os pescadores tentavam compreender como tantos animais haviam sumido da noite para o dia, e mais, preocupavam-se com o que comeriam a partir daquele momento, já que os peixes, que eram a principal fonte de alimentação na vila, haviam desaparecido.

Durante a noite que os peixes se foram, somente um cardume permaneceu na ilha, o cardume dos peixes Bororo, que eram considerados sagrados pelos pescadores. Eles acreditavam, que esses peixes eram responsáveis pelo equilíbrio da vida no mar e na Terra, mantendo assim, a harmonia entre o animal-alimento e o animal-predador. Entre o homem e os seres do mar.

Para os pescadores o Bororo não poderia ser comido nunca, pois cada peixe concentrava em seu cerne, metade de vida animal e outra metade de espírito. Caso alguém se alimentasse deste animal sem estar preparado, entraria em um estado de coma, onde a alma escaparia fluidamente, como a fumaça que esmaece pelo vão de uma garrafa.

Os dias passavam e o alimento diminuía a cada dia. Temendo não ter mais o que comer, as pessoas se apavoravam e aos poucos abandonavam a ilha, pois já não acreditavam mais no retorno dos peixes. Deixavam suas casas, abdicavam a si da própria vida. Foi então que o pescador mais antigo da vila tomou uma importante decisão, pescar o peixe sagrado.

O sábio pescador mesmo sabendo dos riscos que correria em comer o peixe sagrado, lançou-se ao mar em busca desse animal. Ao perceberem, os outros moradores tentaram contê-lo, pois temiam as conseqüências irreversíveis dessa escolha, mas calaram-se ao perceberem que o velho homem já havia decidido o seu futuro.

Ao sair pediu proteção aos céus e lançou-se ao mar. Percorreu com o seu velho barco de madeira por dias afora o oceano infinito, até por fim, conseguir avistar o cardume sagrado. Permaneceu imóvel durante algum tempo observando a beleza e a incomum sincronia daqueles seres. Munido de coragem, empunhou o seu arpão e levantou os braços, como quem recebe bênçãos e, já na posição de lançar aquela arma mortal, olhou com firmeza aqueles peixes que nadavam lentamente, como que permitindo-se ser presa, e pediu sabedoria para compreender o que lhe seria evidenciado.

Lançou-se à vida.

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Como uma pancada nas têmporas, a consciência foi tornando-se torpe e a negridão do infinito tomou-lhe por completo.

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Despertou. Ele, o peixe e o arpão, todos deitados sob a madeira úmida daquela pequena embarcação. Sentia-se iniciado, pronto para a comunhão entre matéria e espírito.

Certo de sua missão, o pescador retornou à ilha com o seu barco, o peixe e o arpão. Preparou calmamente um fogareiro brando e estável, limpou o peixe e agradeceu a criatura por ter renunciado à vida para alimentá-lo. Pousou o animal cuidadosamente sobre a brasa.

Enquanto o peixe era preparado, sentou-se e pôs-se a observar o mar. Seu pensamento correu fluido e em um tempo fora do tempo. Deixou abandonar-se até sentir-se pronto.

Ingeriu aquele pedaço de vida.
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Temeu por instantes não suportar o porvir, mas conteve o pensamento e retomou o processo de contemplação.

Lentamente os seus pés e mãos mergulharam imensidão a dentro, e ele, o pescador, já não os sentia mais, era como a sensação de quem afunda os dedos pela saca de arroz. Seu corpo todo inebriado por aquela sensação, emanou um calor que exalava do centro da vida. Então, amou com intensidade. Vivenciou naquele momento o retorno ao útero da vida e sentenciou:

“O amor é o único alimento do corpo e da alma”.



 
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