10 de abril de 2010

ferida exposta

aqueles foram tempos precários. talvez os anos mais ásperos que a humanidade vivenciaria.

a precariedade não residia apenas na miséria do corpo, ia além-matéria, pois o que perecia ao sol e às moscas, era o descaso dos deuses cansados.

O ser.

renunciara o paraíso pela sua demasiada utopia, pela sua banalidade exacerbada e permitira-se viver conforme os rumos trôpegos do vento, pois nem o corpo, nem a alma desesperançada lhe importavam mais.

assumira a sua não-vida e vivia a morte em vida, a alegria em vácuo, o corpo em decomposição. esse era o seu legado, o seu bem maior, renunciar a tudo o que lhe foi dado por falta do que se desejara com intensidade e verdade.

para ele, a vida então, já não era mais a vida que se conhece, nem a morte que se imagina. permitiu que em sua biografia ela torna-se um grito sem som, um corpo sujo ao chão e a visão de um verme lhe comendo a ferida.



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à aquela criança que chorou e não foi ouvida, ao tolo amor sucumbido, às materialidades, ao mundo que hoje definha sobe o descaso do poder efêmero e banal humano.

2 de abril de 2010

a poesia do homem negro

enquanto honrosas pessoas espantavam-se com o aspecto repugnante do indigente, senhouras digníssimas de título de santidade, rezavam em seus terços, pedindo um fim trágico àquela figura pútrida e indigna de coabitar aquele espaço.

o ar, embebido por sentimento de piedade católica, não permitiu que fosse transparecida a revolta arrotada pelos presságios daquele ser primitivo. dentro de sua protozoária evolução não havia espaço para as vácuas palavras proferidas pelo Senhor.

foi então, que o trôpego homem revoltou-se pelas cinco gerações que contribuíram para a calmaria daquele momento, e convulsionou o último grito antes da loucura:
"a gente quer a sua poesia pra falar que foi o homem branco que fez".
 
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